8.12.2005

Um sentimento sério, profundo, lúcido, de indignação e inquietação

Sou apenas mais um(a) cidadão(ã) desempregado(a) entre muitos! Infelizmente! A minha angústia não é única. Infelizmente! A minha luta também não. Infelizmente! A minha esperança não é única, tal como a desesperança. Infelizmente! Só esse “infelizmente” justifica manifestar-me. Não sou caso isolado. Passei a pertencer a um grupo sem voz nem sindicato! Envergonhado... até!

Possuo um bom currículo profissional, um percurso de vida rico, quer profissional quer humano, que fez de mim uma pessoa com algumas valências e competências que, para mim, sempre foram importantes, e de que hoje se ouve quotidianamente falar como requisitos para a saída deste lodo em que todos nos fomos atolando, lentamente; falo de sentido de responsabilidade, seriedade, empenho, competência, dinamismo, o conceito (que parece novo...) de que o capital humano é o mais precioso, enfim... uma série de valores de que esta sociedade tão deficitária é, e parece só agora ter acordado, pelo menos no discurso de quem tem voz e poder. É muito positivo, porque as escadas lavam-se sempre de cima para baixo!

Acontece que estou desempregada, há já tempo de mais! Estou cansada desta mentalidade pequenina, ao abrigo da qual eu tenho que ouvir: “Ah! Mas 47 anos.... é impossível” ou “...tem o perfil adequado para o lugar, mas já tem 48 anos...”. E isto aplica-se a qualquer trabalho, mesmo que abaixo da minha qualificação mas com aptidão para o desempenhar! Procuro qualquer trabalho honesto que me permita pagar a renda e viver... só um bocadinho!

Cada dia que passa, é mais um em que me sinto feliz e agradeço a Deus poder usufrui-lo, mesmo que angustiada, mesmo sem o “viver”; mas aumenta a minha “desvantagem”! Nem sei se deva dizer, a minha “deficiência”... às vezes sinto que parece mais isso. Mas não encontrei nenhuma associação de protecção a “pessoa com esta deficiência”...

No fundo fica assim: JÁ tenho 48 anos; AINDA não tenho 65; Pergunto:

- Entre este JÁ e o longínquo AINDA, como é que se vive?

Eu sei como é que tenho (sobre)vivido! Muito mal! Comi umas parcas economias que tinha para um dia mais tarde... comi o subsídio de desemprego, trabalhei em restaurantes temporariamente, em que cheguei a não receber salário, fiz limpezas domésticas.

Actualmente, pago a renda com um subsídio social, que só para isso dá e por pouco tempo, e me permite estar activa numa instituição, numa figura que se chama POC (para mim era só Plano Oficial de Contas...); quanto a comer e as outras despesas básicas, é com outro “subsídio” que o meu filho, depois de arranjar o seu 1º emprego após a faculdade, passou a poder dar-me!

Tenho 3 bênçãos, nesta adversidade: 1ª sou muito positiva, lutadora e razoàvelmente forte; 2ª vivo sòzinha, sem ter já crianças a cargo (penso muito nos que ainda as têm!); 3ª O meu filho, dispende do seu orçamento do que pode, 200 € mensais, que nem pode deduzir no IRS!

Mas esta 3ª bênção, afinal, resulta numa grande crueldade e injustiça! Eu não devia pesar no orçamento do meu filho, porque ele tem a sua vida para organizar, vai ser pai; é injusto para ele! para mim, é muito cruel! Esta situação só seria aceitável se eu tivesse 78 anos! Mas eu tenho SÓ 48 e ainda muito para dar! Só me falta a oportunidade!

O absurdo: 48 anos, é uma idade óptima, válida, plena de capacidades para o exercício de qualquer cargo político em qualquer área! Mas não para trabalhar?! É estranho, não é? A idade de reforma aumenta... poderá significar que as pessoas agora são válidas até mais tarde? Mas... então? E aos 48? Ah! talvez seja só a partir dos 60, ou?! Não percebo...

Eu NÃO QUERO SER DEPENDENTE DOS (cada vez menos...) CONTRIBUINTES!

Eu QUERO SER CONTRIBUINTE! Sou-o desde os 15 anos e quero continuar!

Então fica assim: não vejo medidas para incentivar empresários ou de outra forma tratar esta camada dos que “JÁ TÊM... mas AINDA NÃO TÊM”! E é uma massa de gente, alguma com boa formação, boa experiência profissional, de vida, maturidade, que seriam mais-valias nas empresas, em cooperação com as outras mais-valias dos jovens saídos das faculdades. São valências diferentes, não incompatíveis, por vezes complementares.

Em vários debates que ùltimamente tem havido sobre este estado de coisas, aparece sempre um caso de um empreendedor de sucesso, que depois é dado como exemplo de solução para estes desempregados; mas a situação não é tão simples, e eu sei do que falo, porque sou empreendedora por natureza. Já o era na empresa onde trabalhei 29 anos, naquilo que era a minha área de actividade. Já fui, ao abrir um negócio meu, mas sofri uma adversidade que me forçou a afastar. E continuo a ser agora! O espírito está cá, ainda não morreu! Só que esta não pode ser a solução global para toda a gente. Será para alguns. E os outros?

É assim: em primeiro lugar, há que ter a consciência de que não são e não podem ser todas as pessoas empreendedoras, bons gestores, bons vendedores, bons políticos, bons “qualquer coisa” ao mesmo tempo. Em segundo lugar, os apoios ao empreendimento individual, através dos fundos disponíveis, funcionam mais como... prémio do que como incentivo. Na realidade, é necessário haver o “empurrão” para início, e isso sim, é incentivo. Neste momento, quero enfrentar o medo e ir à procura do meu negócio; depois de “o encontrar” (se encontrar...), irei candidatar-me aos apoios a que tiver direito, mas isso só me será possível se tiver o tal “empurrão” para começar, que pode ser, por exemplo, alguém muito amigo que queira e possa ajudar! Os apoios, se forem concedidos, serão muito bem vindos, mas só muito mais tarde. Quero dizer que não me está a ser fácil vencer as dificuldades, que são muitas, especialmente na conjuntura desfavorável em que vivemos.

Neste momento começar um negócio, já não sei bem se revela espírito empreendedor ou antes loucura ou desespero! No meu caso, neste momento, pensar nisso, é desespero mesmo!

1º Arrancar... que negócio? Prever a coisa certa...a “que vai dar”... não é fácil!

2º Rendas especulativamente elevadas + despesas fixas inerentes à actividade + compromissos de endividamento... Dá para não dormir...

Já disse: é quase loucura! Sem “almofada” de protecção, sem nada? Sim... mais tarde podem vir os apoios; mas... e a fase mais difícil que é o arranque?

Todos os dias digo a mim própria que o meu medo não pode ser maior que o meu sofrimento dos últimos anos! Mas não sei! Tenho mesmo muito, muito medo!

Resumindo: com SÓ 48 anos, estou numa luta desesperada pela sobrevivência, sinto as minhas capacidades desaproveitadas, um desperdício! E até tenho medo de as perder por falta de uso... Isto não pode ser um estado normal! Não pode! Não se pode conviver com esta dureza sem perder a sanidade, mais cedo ou mais tarde!

O meu apelo às pessoas de boa vontade a quem me dirijo e que têm voz: por favor, sejam altifalantes desta inquietação! Há muita gente sofrendo, em plena idade activa, 40 anos!

O meu apelo às entidades e instituições que têm a obrigação e o poder de pensar e agir: Por favor movam-se para tratar destes pobres coitados, que de coitados nada têm, mas são os novos pobres, sem perspectivas de deixar de o ser cada vez mais! Não há nem uma lamparina no fundo do túnel! e é tão longo... este túnel...

Se leram até aqui, um grande obrigada! É bom lembrar aos que estão bem (como eu também já estive...) que há hoje muitos, muito mal! E envergonhados! E deprimidos! E não é da pobreza crónica que estou a falar; essa é ainda outra luta!